“Essa PEC passando, está decretada guerra nacional. Nós não teremos mais nada a perder.” A afirmação feita por Juninho Xukuru, liderança indígena pernambucana, nesta terça-feira (27), na Câmara dos Deputados, marca o sentimento que paira entre os índios Brasil afora. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 vai ameaçar o modo de vida tradicional de 280 povos indígenas. E eles não estão dispostos a ver isso acontecer.

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), até o início da tarde de terça-feira (27), 13 estados tiveram pontos estratégicos bloqueados por índios, numa mobilização nacional contra a proposta. “A meta é fechar todos os estados do Brasil”, reforça a coordenadora executiva da Apib, Sônia Guajajara.

No último sábado (24), um indígena Enawenê Nawê, de Mato Grosso, foi baleado durante discussão com caminhoneiros. “A guerra está declarada. Ou você assume sua posição de guerreiro, ou você sai da linha de combate. Avante, guerreiros. O sangue que banha essa terra é de nosso povo e não podemos deixar se repetir esse massacre”, declara Sônia Guajajara em sua rede social.

A reunião desta terça-feira (27) acabou suspensa, temporariamente, pelo início da Ordem do Dia. Mas foi retomada logo após conclusão dos trabalhos no Plenário.

Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a bancada ruralista encabeçará uma das “maiores conturbações públicas” com a aprovação da PEC pelo colegiado. “Cada vez que este debate evolui, parece que ele fica pior. Estamos discutindo direitos garantidos e não simplesmente a posse de terra. No Parlamento, a correlação de forças é o que determina o que vai acontecer. E essa correlação não é favorável aos indígenas. Vocês [ruralistas] falam tanto conturbação pública, mas são vocês que estão encabeçando uma das maiores que estamos para ver. Preferia que nós apostássemos em uma solução pacífica”, diz a parlamentar, que defende a retirada de pauta da matéria.

Texto novo

O relator da PEC, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), apresentou mudanças em seu parecer. De acordo com o novo texto, a demarcação das terras indígenas deverá ser feita por projeto de lei, com tramitação semelhante à de uma medida provisória. Ao chegar ao Parlamento, o projeto seria analisado por uma comissão constituída por deputados e senadores por um prazo de 90 dias. Caso o colegiado aprovasse a demarcação, o texto iria direto para sanção ou veto presidencial. Se o parecer fosse negativo, o PL seria analisado pelo Plenário das duas Casas Legislativas. Se a votação não acontecesse em 60 dias, a matéria entraria em regime de urgência e trancaria a pauta de votações.

Com essa medida, o relator espera conter as críticas de que a transferência de competência do Executivo para o Congresso para dar a palavra final sobre o tema iria atrasar ou impedir novas demarcações de terras indígenas e quilombolas.

Para o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, a modificação é “singela” e não retira a inconstitucionalidade do projeto. “Fica mantida a questão da decisão política, a depender da maioria da ocasião, no final do processo demarcatório”, alerta.

Serraglio também anunciou a retirada, no substitutivo, do artigo que previa uma comissão paritária para buscar a solução de conflitos entre indígenas e proprietários de terra. E incluiu a criação de uma vaga nacional, "portanto sem interferência nas bancadas estaduais", para a representação indígena na Câmara dos Deputados.

Segundo o relator, as mudanças foram adotadas após reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e outros representantes do governo na manhã desta terça. Na ocasião, o governo fez um apelo pelo adiamento da votação da PEC 215/00, devido aos riscos de aumentar o clima de conflito no país.