As alternativas para protelar a votação do relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que altera o processo de demarcação de terras indígenas, estão chegando ao fim. Depois de horas de obstrução, o trâmite avançou nesta terça-feira (20) e chegou aos debates sobre a matéria. Agora, só falta o fim das argumentações para que o texto seja votado pela comissão especial que analisa o tema – o que deve ocorrer na próxima reunião do colegiado.

Apesar de saberem que, desta vez, é uma questão de tempo para que a bancada ruralista bote em votação a PEC 215, os poucos indígenas, quilombolas e representantes dos ciganos que puderam entrar no Plenário 13, onde a discussão acontecia, comemoraram o prolongamento da votação na Câmara e deixaram a sala em passos ritmados e ao canto de um “mantra” que reforça o direito das comunidades tradicionais ao território reconhecido – previsto na Constituição de 1988.

Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), comentou em sua rede social, que será preciso “muita força” para enfrentar esta luta. Sônia era uma das poucas representantes das comunidades tradicionais que puderam entrar depois de mais de quatro horas de debate em curso na Câmara. “Como de costume, os ruralistas vieram com falas preconceituosas e retrógradas. Éramos poucos, mas estivemos firmes. Sigamos juntos, fortes, resistentes e unidos.”

O texto tramita na Câmara há quinze anos e nunca teve consenso. O histórico da PEC inclui incontáveis audiências públicas, reuniões com diversas partes envolvidas, mas mesmo assim, seu parecer não absorveu as demandas daqueles que serão afetados pela matéria. A PEC estabelece que a demarcação de terras indígenas, quilombolas e reservas ambientais será tarefa exclusiva do Congresso, assim como a definição dos critérios e dos procedimentos necessários para a fixação das fronteiras de terras ocupadas por índios. Na prática, a aprovação do texto significaria a paralisação definitiva da formalização dessas áreas para usufruto dos indígenas, conforme prevê a Constituição Federal.

Apesar de ser taxada de inconstitucional, o relator da PEC, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), defendeu a construção de sua tese. “Não estou retirando prerrogativa do Executivo. Não há nada de inconstitucional neste texto”, afirmou o parlamentar durante a reunião. O discurso “isento”, no entanto, não condiz com os bastidores de construção do parecer. Serraglio estava sendo investigado pelo Ministério Público Federal sob a suspeita de seu relatório ter sido elaborado por um lobista da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).

Para o deputado Davidson Magalhães (PCdoB-BA), membro do colegiado, esta PEC é um atentado às comunidades indígenas, aos quilombolas e à preservação do meio ambiente. “Nossa preocupação é com aqueles que serão afetados por esta mudança. Essa PEC significa um verdadeiro etnocídio. Mais uma vez, querem impor uma pauta regressiva, de perda de direitos, enquanto o que precisamos é do aprofundamento de direitos”, avalia.

Em nova reunião da comissão especial, realizada na quarta-feira (21), os parlamentares finalizaram a etapa dos debates sobre o conteúdo da PEC. Agora, só falta a votação do texto para que ele siga para análise do Plenário da Câmara. De acordo com o presidente da comissão, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), há uma tentativa dos parlamentares de construir uma alternativa ao texto do deputado Osmar Serraglio, motivo pelo qual, a matéria ainda não foi votada. "Estamos tentando discutir um meio-termo para essa proposta para que não fique ruim para nenhum lado", argumentou.

No entanto, para Wera Kwaray, liderança guarani, a aprovação da PEC 215 vai colocar em xeque a vida dos povos indígenas. "Nós entendemos que a PEC é uma chave de destruição da vida. Nossa vida está ligada à terra e essa PEC pode rever o que já foi conquistado também. Por isso, vamos continuar na luta pelos direitos do nosso povo, vamos nos reunir para fazer manifestação contra esses ruralistas que não entendem a importância da terra pro nosso povo."