Na mesma semana que a imprensa divulgou o corte no orçamento do principal programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar, o Alimenta Brasil, uma pesquisa revela que a fome no Brasil disparou. Atualmente, 33 milhões de pessoas passam fome no país, segundo resultado do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, foi feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e executado pelo Instituto Vox Populi. A margem de erro é de 0,9 pontos percentuais, para mais ou para menos.

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A pesquisa revelou um retrocesso de quase 30 anos na segurança alimentar no Brasil. Segundo os dados, 6 a cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar. São 125,2 milhões de pessoas nesta situação, o que representa um aumento de 7,2% desde 2020 e de 60% na comparação com 2018. Em 1993, eram 32 milhões de pessoas nessa situação, segundo dados semelhantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – a população brasileira à época era 35% menor que a de hoje.

Para o vice-líder do PCdoB na Câmara, deputado Orlando Silva (SP), o resultado da pesquisa é uma “vergonha”. “Um retrocesso de três décadas! O Brasil piorou! Bolsonaro é o pai da fome!”, destacou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também repercutiu os dados da pesquisa. Para ela, os dados revelam um retrato triste do país gerido por Jair Bolsonaro. “O caminho para o qual Bolsonaro está levando o Brasil é tortuoso, cruel e desumano. Um dos maiores produtores de alimentos do mundo não consegue dar dignidade às famílias para comprar o mínimo para não morrer de fome. Não é falta de comida. É um governo que extinguiu as políticas de combate à fome. Mas não gosta de ser chamado de genocida”, criticou.

Vice-líder da Oposição, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) afirmou ser um “alívio” este ser o “último ano de governo Bolsonaro”, em referência aos resultados de pesquisas eleitorais que indicam a eleição do ex-presidente Lula no pleito deste ano.

No país da fila do osso, a pesquisa mostrou ainda que este ano, um a cada três brasileiros já fez alguma coisa que lhe causou vergonha, tristeza ou constrangimento para conseguir alimento.

Esses novos indicadores da segurança alimentar apontam que apenas 41% da população tem acesso estável a alimento em quantidade e qualidade adequados, índice que é superior entre brancos (53,2%) e inferior entre pretos e pardos (35%).

"É como se 41% da população estivesse protegida das crises econômica e política que já vinham se arrastando nos últimos anos e também do impacto da pandemia da Covid a partir de 2020. Por outro lado, quase 60% dos brasileiros vive numa situação de instabilidade que é muito afetada tanto pela crise quanto pela pandemia, que pegou essa população já numa condição desfavorável", explicou a médica sanitarista Ana Maria Segall, professora aposentada da Unicamp e pesquisadora da Rede Penssan.

No outro extremo, a média dos brasileiros com fome é de 15%. Superam essa marca aquelas pessoas que residem nas regiões Norte (25,7%) e Nordeste (21%), na zona rural (18,6%), e em domicílios chefiados por mulheres (19,3%) ou por pessoas pretas e pardas (18,1%).

De acordo com os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar, o maior percentual de pessoas em insegurança grave ou fome está entre quem solicitou mas não recebeu o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso para o primeiro ano da pandemia (63%), seguido pelo grupo de quem sequer conseguiu solicitar o benefício (48,5%).

"É um governo cruel, que tira o alimento da boca e da mesa do trabalhador", condenou o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA). 

Em uma audiência pública realizada nesta terça-feira (7) na Câmara, especialistas defenderam a retomada de ações integradas de combate à insegurança alimentar e à fome no Brasil, com atenção especial para gestantes e crianças. Eles apontaram a necessidade de investimentos no combate à pobreza, na recomposição da renda do brasileiro, no acesso à alimentação fora de casa e no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como pilares do enfrentamento da fome.

Entre os participantes estava a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello. Para ela, a desnutrição e a fome voltaram ao Brasil não por conta da pandemia, mas em razão do desmonte de políticas públicas nos últimos anos.

“Não adianta tratar da fome e da desnutrição como um fenômeno isolado. Temos que enfrentar com políticas complexas. Era isso que o Brasil vinha fazendo a partir da Constituição de 1988, com toda uma agenda de construção do Sistema Único de Saúde, da seguridade social, da educação. Havia um conjunto de políticas e, a partir de 2003, uma política de combate à pobreza, que dá conta da redução da desnutrição infantil”, afirmou a ex-ministra.

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Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o governo Bolsonaro impõe a fome às famílias mais pobres. A parlamentar lembrou que o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), instituído no primeiro governo Lula, chegou a ter investimento na casa de R$ 586 milhões, em 2012, e que desde que Bolsonaro assumiu a presidência os recursos vêm diminuindo. Em 2021 o aporte foi de R$ 58,9 milhões. O PAA deu lugar ao programa Alimenta Brasil, que foi anunciado por Bolsonaro como prioridade, mas até maio deste ano, teve aplicação de apenas R$ 89 mil, segundo noticiado pela imprensa.

“Bolsonaro reduziu a quase zero o orçamento em 2022 do programa Alimenta Brasil. Além de deixar de estimular o trabalho dos agricultores familiares, o governo impõe às famílias mais pobres seguirem neste cenário de fome”, condenou.

A pesquisa da Rede Penssan foi baseada em entrevistas realizadas em 12.745 domicílios de áreas urbanas e rurais de 577 municípios dos 26 estados e do Distrito Federal. Trata-se de uma parceria das organizações Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc.