Na primeira audiência pública no Grupo de Trabalho sobre Legislação Penal e Processual Penal, nesta quarta-feira (17), não houve acordo sobre alguns dos principais pontos das propostas encaminhadas pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, ao Congresso Nacional – a ampliação das possibilidades de legítima defesa para policiais e o aumento de hipóteses de encarceramento. Esse último ponto foi criticado pela maior parte dos especialistas.

Segundo o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a sistematização final do trabalho deve levar em conta uma leitura crítica, jurídica e constitucional. “Temos o limite que é a Constituição do Brasil. Essa barreira é intransponível. O relator precisa refletir sobre as propostas que representam violações constitucionais”, destacou Orlando Silva.

Pelo Projeto de Lei 882/19, em caso de excesso da ação policial por "medo, surpresa ou violenta emoção", o juiz poderá reduzir a pena pela metade ou deixar de aplicá-la. Para a defensora do estado do Rio de Janeiro Livia Casseres, a medida legaliza a prática de pena de morte extrajudicial. “Vai haver um recrudescimento da prática de extermínio pela sua legalização”, avaliou.

Segundo ela, em 2018, foram mortas pela polícia 1.532 pessoas no estado do Rio de Janeiro. Isso significa que 23% das cerca de 6.600 pessoas assassinadas no estado no ano passado foram mortas por policiais. Por outro lado, em 2018, houve 92 mortes de policiais, sendo apenas 24 em serviço.

Extermínio do jovem negro
O advogado e professor Humberto Fabretti criticou a introdução das expressões “medo, surpresa ou emoção” na legislação. Para ele, isso quer dizer que os policiais nunca vão ser punidos por suas ações. Na visão do professor, a medida pode ampliar o extermínio do jovem negro no Brasil.

Segundo ele, hoje quem mais morre no Brasil e quem mais é encarcerado já é o jovem negro sem ensino médio completo – a faixa mais excluída e vulnerável da sociedade –, que deveria ser alvo de políticas de inclusão e educação. O professor disse ainda, se a remuneração dos policiais aumentasse, muitas das mortes de policiais em serviço seriam evitadas, já que 2/3 dos policiais mortos não estão no emprego, mas em bicos.

Eficiência do encarceramento
A advogada Maria Cláudia Pinheiro, por sua vez, criticou o PL 882/19, por aumentar as hipóteses de regime fechado de encarceramento, que, para ela, não é mais forma mais eficiente de combater a criminalidade. Hoje, o regime inicial fechado só é aplicado para condenações acima de oito anos. A proposta torna esse regime obrigatório para condenados por corrupção e roubo com arma de fogo, independentemente da pena.

Ela ressaltou que falta no projeto estudo do impacto orçamentário e financeiro da medida, especialmente o impacto nos estados. Segundo a advogada, cada preso custa de R$ 2,5 mil e 3 mil por mês ao Estado brasileiro e, em 22 anos, a população carcerária do Brasil aumentou em 500%. “Esta é a melhor forma de alocar nosso dinheiro? Este dinheiro compensou? Tivemos redução da criminalidade compatível com o investimento feito?”, questionou.

Na visão da advogada, também falta análise no projeto impacto sobre o sistema prisional da medida de estabelecer que crimes como roubos armados serão cumpridos inicialmente em regime fechado. Conforme ela, a população carcerária brasileira já é 800 mil pessoas – a terceira maior do mundo.