A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara promoveu, na tarde desta terça-feira (7), o seminário “Desafios para a Reindustrialização Nacional”. O evento foi requerido pelo presidente do colegiado, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

O debate, que durou quatro horas, foi divido em duas mesas. A primeira tratou de uma análise da política econômica nas últimas décadas nos setores de comércio, indústria e inovação. Foram reunidos e apresentados dados pelos palestrantes que dão a dimensão da participação do Brasil no desenvolvimento industrial mundial.

Na segunda mesa, os participantes levantaram e discutiram pontos sobre a evolução da indústria em si, os próximos passos até o país conseguir alcançar a 4ª Revolução Industrial, como outros países reagem a essas mudanças e quais são as prioridades e posicionamentos recomendados.

A ideia de toda a discussão gira em torno da construção de uma agenda de convergência, com o intuito de retomar o desenvolvimento do setor industrial no Brasil. Neste momento de crise, estão combinados aspectos políticos e econômicos, como aponta o proponente do seminário.

“É evidente que essa tensão toda se reflete no Parlamento, mas precisamos evoluir desse processo de semiestagnação da indústria no qual estamos enquadrados. Não há nação desenvolvida sem indústria. As ideias e iniciativas propostas aqui serão elencadas em um relatório e apresentadas em outros espaços da Casa. É preciso propor uma agenda para pautar o Legislativo”, defendeu Orlando.

A presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE), também evidenciou a importância de debater o tema, ao declarar que essa pauta é de todos, tanto dos trabalhadores quanto do empresariado. “É uma pauta de país. Não podemos fazer um reducionismo de sua importância”.

“Estamos discutindo gargalos do nosso desenvolvimento que precisamos resolver, enquanto demais países já estão voando muito à nossa frente. Precisamos nos inserir nas cadeias mais dinâmicas da economia. Estamos falando de intervenção de infraestrutura, de macropolítica, independente de posição partidária”, pontuou a parlamentar.

Setor industrial brasileiro

A política industrial de um país é um dos mais importantes aspectos para a construção de um projeto de futuro. Setor industrial forte implica necessariamente em uma correlação com demais áreas, possibilitando maior geração de renda, mais empregos e até a tão almejada estabilidade econômica.

Durante o debate na CTASP, Gilberto Bercovici, professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP), confirmou isso ao expor que “na sociedade industrial, se possibilita a adoção de uma política de desenvolvimento tecnológico, de inovação, tem dinamismo, tem mobilidade social”. Mas é preciso repensar a política monetária de uma maneira geral.

Mesmo diante de indicadores que apontam discreta melhora, a crise na indústria brasileira segue se aprofundando. Evidencia-se um contínuo declínio da participação da indústria no PIB desde meados na década de 1980, quando a crise do nacional-desenvolvimentismo abalou o consenso quanto à centralidade da indústria no cenário nacional. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada na última semana, apontou um crescimento de 2,6% na produção industrial se comparado ao ano passado, mas o próprio IBGE confirma que o patamar da produção está 17,4% abaixo do pico registrado em 2013.

O gerente executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio Padovani Gonçalves, relaciona o processo de desindustrialização [precoce] do Brasil com o boom das commodities, com a valorização cambial, com a competitividade e com a taxa de juros superior ao restante do mundo. Ou seja, processos que foram se constituindo com o passar dos anos, de forma quase que “natural”.

Gonçalves ainda alegou que “estamos em um momento de melhora, algumas medidas já foram adotadas e terão impacto muito positivo, como a Reforma Trabalhista e a instituição do Teto de Gastos”. Nesse exato momento, o deputado Assis Melo (PCdoB-RS), que não se conteve ao escutar tamanhos absurdos, vociferou na sala da Comissão do Trabalho: “Mas o senhor só pode estar de brincadeira! Com dois grandes retrocessos como esses?”

Mais tarde, durante seu pronunciamento, Assis ainda complementou a argumentação, defendendo que a desindustrialização não é um processo natural. “O que estamos evidenciando é o desmonte da área produtiva nacional. Parece que a agenda da CNI é a agenda do mercado financeiro, sua visão coloca o Brasil numa chácara de país de miseráveis. Esse governo não tem responsabilidade política com a população”.

Para a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), é importante colocar essa diferença de agendas. “Nossa agenda é de desenvolvimento. Não qualquer um, mas um econômico, social e sustentável. A elevação da competitividade nunca foi posta com rebaixamento dos custos de mão de obra. A produtividade como agenda se assenta na qualificação e inovação”.

Reindustrialização na revolução

Marina Mattar, coordenadora-executiva da Comissão de Relações Governamentais da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQ), relatou que nota uma falta de vontade política para estabelecer uma política industrial voltada a pontos que fariam a situação brasileira dar “uma guinada”. “É preciso agregar valor aos nossos recursos materiais, estabelecer prioridades baseadas nos pontos fortes do Brasil, viabilizar o financiamento a juros competitivos no mercado internacional, apoiar e incentivar a inovação”, defendeu.

O futuro já chegou e está à porta; é preciso alcançar a 4ª Revolução Industrial. Para a maioria dos especialistas, a falta de uma política industrial fez o Brasil estagnar, e o principal desafio para evoluir é estabelecer em qual direção seguir. Não se reindustrializa um país destruindo os setores elétrico, enérgico e petrolífero, como vem sendo feito, por exemplo.

Carlos Alexandre Jorge da Costa, diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), salientou que falar de indústria é falar de futuro. “Investir é acreditar nisso, não só a curto prazo. Há uma queda dramática que não parou, e não há sinais de que essa queda vá parar se continuarmos do jeito que está. Para mudar, precisamos falar sobre desenvolvimento. O Brasil em geral parou de sonhar em ser um país desenvolvido, ficamos satisfeitos de chegarmos em 2% de crescimento anual”.

A reação dos países mais avançados, do ponto de vista do desenvolvimento, à globalização aos seus efeitos desindustrializantes segue sendo a revigoração da capacidade industrial. No Brasil, paradoxalmente, encontramos uma corrente que vai contra a tendência mundial, como indica Ronaldo Carmona, pesquisador do Departamento de Geografia da USP.

“Há ‘discípulos’ que questionam a indústria como vértice do desenvolvimento, e até sobre o país ter uma indústria ativa. O declínio da indústria nacional coincide com a própria crise do projeto de país e da própria identidade nacional. Nós chegamos a uma situação onde a presença da indústria no PIB ameaça regredir para uma situação prévia à própria Revolução de 1930 que deu início ao nosso surto industrial”, constatou Carmona.

No ranking global de competitividade do setor industrial, o Brasil caiu do 5º lugar em 2010 para a 29ª posição em 2016. Para que consiga avançar na reindustrialização, há um longo caminho pela frente. Mas também é preciso seguir com cuidado. O economista e supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), José Álvaro de Lima Cardoso, fez um alerta para o que acompanha todo esse processo.

“O sistema capitalista se move por contradições, e uma revolução industrial é o momento em que elas se aguçam. Ao mesmo tempo em que de um lado da corda máquinas são modernizadas, a produtividade é aprimorada e o acesso à tecnologia aumenta, do outro lado pessoas perdem empregos, há sofrimento em regra geral. É uma questão fundamental muito presente em todas as revoluções”, sinalizou.     

O chamamento que Cardoso fez para integrar diferentes segmentos no debate foi essencial. Afinal, quem produz a riqueza nacional são os trabalhadores, não adianta só os empresários opinarem ou só os governos, já que eles representam menos de 1% da população. O debate precisa ser abrangente, que assim como a agenda nacional de desenvolvimento, só será efetivamente transformador se construído junto aos trabalhadores, empresários, especialistas e à população como um todo.