A base bolsonarista protagonizou mais um episódio de atropelos no Parlamento nesta quinta-feira (16). Após mais de oito horas de obstrução de legendas da Oposição e tentativa de retirar o Projeto de Lei (PL) 1595/2019 de pauta, aliados do presidente da República, comandados pelo deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), presidente da comissão especial que analisa o tema, aprovaram por 22 contra 7, o projeto que cria uma polícia secreta para Bolsonaro perseguir opositores a seu governo.

Membro do colegiado, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) repudiou a condução da votação pelo colega do Espírito Santo. Apesar do relatório do deputado Sanderson (PSL-RS) trazer mais de 20 alterações ao texto, Evair Vieira de Melo decidiu que a votação da matéria se daria a toque de caixa, ignorando os apelos da Oposição por tempo de análise das alterações.

“Voto a toque de caixa. Me causa espécie o tom de vossa excelência nessa sessão para aprovar matéria de interesse de Bolsonaro. É um novo relatório, não tivemos tempo de discussão. É inacreditável o que estamos votando aqui. Esse texto é flagrantemente inconstitucional”, disse Orlando.

Para ele, a proposta é parte de uma “estratégia de fechamento do regime democrático no Brasil”. “Não faz sentido estruturar uma estratégia de combate ao terrorismo que só alcançará a luta popular. É uma forma envergonhada de dizer que Bolsonaro é autoritário e que não suporta a contestação política, pública, sobretudo do povo que se organiza. O terrorismo está instalado no terceiro andar do Palácio do Planalto, liderado por Jair Bolsonaro. Ele ataca as instituições democráticas. Por isso, dizemos ‘não’ a esse projeto”, destacou o parlamentar na votação do texto-base.

O presidente do colegiado, incumbido da aprovação da matéria na comissão especial, seguiu os atropelos para concluir a votação dos destaques até o início da madrugada desta sexta-feira (17). As dez tentativas da Oposição de alterar o texto-base por meio de destaques foram rejeitadas pelos bolsonaristas.

“Nunca vi tamanho cinismo numa comissão especial. Lamento que tenhamos reduzido o papel do Congresso a esse debate, onde não tem orientação de líder, onde votamos uma matéria de caráter inconstitucional. Não vou continuar participando dessa farsa. Esse texto não vai ao Plenário. E, se for, não vai andar no Senado, como não anda a maior parte dos absurdos que a Câmara têm votado. Me retiro da sessão, pois não suporto participar de um playground de gente autoritária, que ataca movimento social. Lamentável apequenar o Congresso nesse patamar”, protestou Orlando Silva antes de deixar a reunião.

Vice-líder da Oposição e suplente na comissão especial, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) endossou as críticas do correligionário e disse estar “envergonhada” por estar debatendo a criação de uma polícia secreta para Bolsonaro perseguir opositores em vez de debater soluções para os reais problemas do país.

“O presidente quer criar sua polícia secreta. Nós tínhamos que estar discutindo o preço da gasolina, o desemprego, inflação. Ao invés disso, estamos discutindo como criar a polícia secreta de Bolsonaro. Algo que não tem nenhuma previsão constitucional”, afirmou Perpétua.

Segundo ela, o PL desconsidera o trabalho das instituições de segurança pública do país e “joga no lixo” o trabalho desenvolvido pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), pela Polícia Federal (PF), além de desconsiderar a função das Forças Armadas e das polícias militares e civis.

“Ouvi argumentos de defensores do projeto, dizendo que o PL busca organizar. Como assim? E o papel do Ministério da Justiça junto com o Ministério da Defesa não seria esse? O Brasil já tem um sistema próprio de inteligência e tem o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Essas instituições estão funcionando, não precisa criar uma polícia secreta pro Bolsonaro chamar de sua”, destacou a parlamentar.

O PCdoB foi uma das legendas que apresentou voto em separado ao PL 1595/19, assinado pelos deputados Orlando Silva e Perpétua Almeida. Ao falar sobre o voto em separado, Perpétua reforçou a discordância em relação ao texto e reiterou que o objetivo do projeto é “perseguir opositores políticos e movimentos sociais”.

Um dos pontos questionados, por exemplo, é o retorno da excludente de ilicitude, já derrotada na criação da Lei Antiterrorismo e retomada nesta proposta. O dispositivo propõe legítima defesa para o agente público que atirar para “resguardar a vida de vítima, em perigo real ou iminente, causado pela ação de terroristas, ainda que o resultado, por erro escusável na execução, seja diferente do desejado”.

“Já derrotamos a excludente de ilicitude no Parlamento e vocês querem retomá-la para dar carta branca para atacar opositores ao governo. Quem se comporta como terrorista nesse país é Bolsonaro. Me sinto envergonhada de estar debatendo um assunto que não interessa o Brasil, apenas Bolsonaro. Ele quer criar uma polícia que seja dele para continuar com seus ataques à democracia. Não podemos permitir”, repudiou Perpétua.

O texto é de autoria do deputado Vitor Hugo (PSL-GO), que aproveitou o conteúdo de um projeto apresentado pelo então deputado Jair Bolsonaro e arquivado em 2019 (PL 5825/16). A proposta segue agora para análise no Plenário.