A Câmara concluiu nesta quinta-feira (13) a votação do projeto de lei do licenciamento ambiental (PL 3729/04), que estabelece regras gerais a serem seguidas por todos os órgãos licenciadores como prazos de vigência, tipos de licenças e empreendimentos dispensados de obtê-la. O texto segue agora para análise do Senado.

De acordo com o substitutivo do deputado Neri Geller (PP-MT), aprovado na noite da quarta (12) após mais de seis horas de obstrução pelos partidos de oposição, não haverá mais necessidade de licença ambiental para obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos, de distribuição de energia elétrica com tensão até 69 kV.

Segundo o líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), o parecer do relator "presta um desserviço à questão ambiental do país" e acaba com a regulamentação do licenciamento, inclusive para matérias já consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

O deputado destacou a necessidade de superar uma "mentalidade atrasada" sobre preservação ambiental.

"Não podemos considerar a preservação ambiental e a necessidade do desenvolvimento econômico como duas linhas paralelas. Não! Elas precisam se encontrar. Nós precisamos do desenvolvimento e precisamos da preservação. Temos que ter a capacidade de produzir uma lei assim no Brasil", observou Calheiros.

O líder do PCdoB lembrou que recentemente o presidente norte-americano, Joe Biden, tomou uma série de medidas importantes para a defesa do meio ambiente. "Não é bandeira de esquerda, é bom senso", assinalou.

Ele citou ainda, por exemplo, que além do fim do licenciamento, "o substitutivo adota a licença autodeclaratória, feita automaticamente, sem a análise prévia de nenhum órgão de controle". O texto de Neri Geller determina, entre outros pontos, que os donos de terras possam receber automaticamente o título da propriedade, sem que nenhum órgão ambiental analise a atividade desenvolvida no local.

Renildo Calheiros denunciou que muitos itens do texto apresentado pelo relator comprovam "que há um esforço para passar a boiada, para deixar o país completamente desprotegido na questão ambiental". "Sou um desenvolvimentista. Sou a favor do desenvolvimento, mas do desenvolvimento com responsabilidade. Se no passado, aqui ou em outro lugar, isso não foi observado, não temos o direito de não observar", afirmou.

"A proposta é muito ruim. Entre outras mazelas, dispensa outorga para que sistemas de tratamento de água e de esgoto, que são muito conhecidos como altamente poluidores, lancem os seus efluentes livremente. Então, é um projeto que, no fundo, é nocivo à preservação ambiental em áreas que nós poderíamos dar um tratamento mais adequado", acrescentou.

Os especialistas enumeram ainda que a aprovação do projeto resultará em graves danos sobre as terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação, além da permissão para renovação automática de licença ambiental por mera autodeclaração de conformidade do empreendedor.

Renovação automática

O texto permite a renovação automática da licença ambiental a partir de declaração on-line do empreendedor na qual ateste o atendimento da legislação ambiental e das características e porte do empreendimento, além das condicionantes ambientais aplicáveis.

Impactos

A proposta cria o procedimento simplificado e o procedimento corretivo. No primeiro, pode ocorrer a fusão de duas licenças em uma (prévia e de instalação, por exemplo); ou mesmo a concessão de uma licença de adesão e compromisso com menos exigências.

O uso desses procedimentos será definido pelos órgãos ambientais por meio do enquadramento da atividade ou empreendimento em critérios de localização, natureza, porte e potencial poluidor.

Quando a autoridade licenciadora considerar que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, não será exigido Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ou Relatório de Impacto no Meio Ambiente (Rima). Nesse caso, a licença a ser concedida é a de adesão e compromisso. Uma das atividades que poderá ser licenciada com adesão e compromisso é a pecuária intensiva de médio porte.

Desmonte ambiental

Alvo de críticas de ambientalistas, os desmandos da proposta também foram repudiados no plenário.

"O discurso de modernização que ouvimos aqui para destruir direitos trabalhistas, destruir a Política de Saneamento Básico, fazer privatizações, mais uma vez volta à tona. Na verdade, este é um projeto que dissolve a Política de Licenciamento Ambiental e precisaria de debate. Não tem uma voz lúcida que defenda este projeto. Seis ex-ministros do Meio Ambiente se manifestaram contra. Todos que estudam, pesquisam e elaboram conhecimento dizem que o projeto não serve", frisou o vice-líder do PCdoB, deputado Daniel Almeida (BA).

A vice-líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), criticou a submissão da base aos propósitos do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para "passar a boiada" e revogar a legislação ambiental em vigor no país. Ela ressaltou que os argumentos dos governistas – que o relatório é antigo; que a oposição não quer o desenvolvimento; e que não quer prazos – são falsos.

"Nós queremos desenvolvimento, mas que seja desenvolvimento sustentável. É uma irresponsabilidade depois de Mariana, depois de Brumadinho, depois das crescentes queimadas da Amazônia e do bioma do Pantanal, da desconstrução dos órgãos ambientais, nós votarmos um relatório desse tipo. Nós estamos passando um vexame internacional pelos crimes ambientais, descoordenando as exigências nacionais, criando uma brutal insegurança jurídica, avançando sobre direitos constitucionais das terras indígenas, dos povos quilombolas", apontou.

Cúpula do Clima

Para a vice-líder da Oposição, deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), o apoio do governo ao projeto mostra que o presidente Jair Bolsonaro mentiu quando assumiu o compromisso, na Cúpula do Clima, de reduzir o desmatamento ilegal e de cuidar do meio ambiente no Brasil. 

"Agora percebemos que ele assumiu um compromisso falso. Na verdade, estava querendo pegar os dólares que o governo Biden quer apresentar ao Brasil em defesa do meio ambiente. Então, não dá para acreditar em Bolsonaro, que tentou demitir um funcionário do Ibama porque foi multado fazendo pesca ilegal", disse.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) advertiu que essa sanha de "liberou geral" do licenciamento ambiental terá muitos efeitos colaterais, podendo produzir danos para o próprio agronegócio.

"O mundo observa o Brasil, o mundo inteiro acompanha os desmandos de Bolsonaro, o mundo inteiro ficou chocado com aquela ideia de aproveitar a covid para passar a boiada, e essa liberação geral no licenciamento ambiental é a sinalização de que Salles e Bolsonaro continuam marchando no mesmo sentido", afirmou.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) destacou que a aprovação do projeto faz com que o Brasil ande na contramão. "Na verdade, há uma anulação do licenciamento ambiental, há o laisser-faire, o deixa para lá, o passa o trator. E isso é algo que nós não podemos admitir", avaliou.