A nomeação de um missionário evangélico fundamentalista para a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) acendeu um alerta vermelho entre sertanistas, servidores do órgão, indigenistas, indígenas, organizações da sociedade civil e políticos. Esta semana, a nomeação de Ricardo Lopes Dias para o cargo foi alvo de ação do Ministério Público Federal para que fosse suspensa, dado o risco para estas comunidades.

A preocupação não é à toa. Dias é oriundo de uma organização conhecida por evangelizar povos isolados, a ong Missão Novas Tribos do Brasil, hoje conhecida como Ethnos360, e pode pôr em xeque a política de proteção dos povos isolados, dando lugar à retomada de um contato forçado com essas comunidades.

Numa roda de conversa realizada nesta quinta-feira (13), na Câmara por deputados da Minoria e indigenistas, sobre o desmonte desta política pelo governo Bolsonaro, a líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), destacou o risco desta nomeação.

“Não se trata de religião. Mas o Estado é laico. O Estado não pode assumir o papel de evangelizador e pôr em risco uma política de proteção que vem sendo adotada há décadas”, disse.

Atualmente, a Funai tem registro de 114 povos indígenas isolados – definidos pelo Estado como comunidades que, voluntariamente, decidem não interagir com o mundo externo. Desses, apenas 28 contam com alguma proteção do Estado.

“Existem quase 90 povos [isolados] que estão expostos a situações de invasão territorial, de grilagem, de madeireiros e queimadas. Existe o perigo iminente de genocídio, e, ao perder física ou espiritualmente esses povos, você perde uma compreensão de como preservar a natureza. Mesmo com toda a invasão colonial, eles conseguiram entregar à população brasileira uma floresta em pé, e ela não é importante somente por ter uma árvore. Esse conjunto biodiverso é responsável por todo um equilíbrio climático no mundo inteiro”, alertou o sertanista Antenor Vaz, que atua como consultor para políticas de proteção a indígenas isolados. 

Sydney Possuelo, sertanista e ex-presidente da Funai também alertou os deputados para os riscos da desproteção dessas comunidades.

“Nós estamos falando de um punhado de homens que sobraram, que continuaram vivos depois desse processo de conquista do território brasileiro, e eles são absolutamente dependentes da proteção do governo federal. As demais comunidades, que, de alguma forma, estão em contato conosco, mesmo estando em situação difícil, já se representam. Elas vêm à Brasília, batem no chão e reclamam os seus direitos. Os povos isolados não têm representantes. É o Estado brasileiro que tem a obrigação histórica, ética de protegê-los”, afirmou Possuelo.

Bolsonaro: a maior ameaça

Durante o debate, o sertanista também alertou que a gestão de Bolsonaro “é a maior ameaça aos povos indígenas desde a proclamação da República”.

“Na história da República, nenhum governo se mobilizou para destruir os povos indígenas como é o caso de Bolsonaro. É uma situação extremamente perigosa, o Estado desmonta a Funai e todas as políticas indigenistas conquistadas em mais de 90 anos”, afirmou.

Segundo ele, antes havia incompreensões, mas o Estado ainda tinha a Funai – mesmo deficiente – “como sempre foi”. “Tinha educação, saúde, demarcava terras. De repente, o Estado brasileiro começa a desmontar tudo isso dentro da visão política do senhor Bolsonaro”, destacou Possuelo, que esteve à frente da Funai entre 1991 e 1993 e foi responsável pela criação da coordenação de índios isolados do órgão – hoje ameaçada com a indicação de Ricardo Lopes Dias.

Articulação com o Parlamento

O encontro surgiu de uma tentativa dos parlamentares de oposição se apropriarem do tema para definir um melhor escopo de atuação diante dele.

“O Congresso não conhece essa temática, é muito distante dela. E é uma temática que hoje revela e expressa o significado e a essência do que é o governo. Neste momento, nosso esforço é de avançar no sentido de que a Funai tem que ser modificada, que as frentes de proteção etnoambientais têm que funcionar”, disse Jandira Feghali.

Para o pelo coordenador do Fórum Permanente em Defesa da Amazônia, deputado Airton Faleiro (PT-PA), o momento pede uma maior aglutinação dos atores políticos e populares em torno do tema. “Principalmente para tratar dos direitos dos povos isolados, que não têm voz e precisam ainda mais do Parlamento e da sociedade”, pontuou.

A roda de conversa, organizada por Jandira, Airton Faleiro e pelo deputado Edmilson Rodrigues (PSol-PA) contou ainda com participação de Paulino Montejo, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e do secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Oliveira.

Confira a íntegra do debate: